Tuesday, August 09, 2005

paz exterior.

Seu refúgio não ficava em nenhuma praia, cabana nas montanhas ou quarto escuro. Sempre que precisava ficar só, refletir, chorar ou simplesmente não pensar em nada, ia para o centro da cidade. Na mesma rua, sua rua, estreita e de poucos pedestres, estacionava seu carro, fechava os vidros, e enquanto ouvia música, esquecia de tudo que o atormentava, ou levava tudo ali para dentro, e de lá sempre saía com novos sonhos, decisões mirabolantes e soluções adiadas. “Quando ninguém te nota, a cidade fica muda”, costumava pensar toda vez que desligava o motor para entrar em uma nova fuga.

Até que, numa tarde fria de um domingo sonolento, a cidade não se calou. Na verdade, nunca falara tão alto. Agitado, tentava, como de costume, escutar aquele silêncio que tanto lhe fazia bem, mas até os raros coletivos dominicais vinham gritar-lhe aos ouvidos.

Não pode ser. Fora descoberto. Do edifício em frente, uma moça na sacada o observava preguiçosamente, mas muito interessada. O que ela quer, indagou-se, enquanto disfarçava o constrangimento de ser alvo e o incômodo de lembrar que não estava sozinho na cidade. Ligou o carro e saiu, confuso. Um misto de sentimentos tomou conta da situação. A raiva inicial deu lugar a uma risada incontrolável. Quando ninguém te nota, gritava. Quando ninguém te nota...