Monday, October 17, 2005

vida.

Nada acontecia. Dentro do quarto de hospital, na madrugada úmida, nas ruas que a janela invariavelmente mostrava, a vida seguia seu curso, feliz para uns, tortuoso para outros. As luzes da cidade a distraiam. Deitado, seu marido demonstrava uma tranqüilidade ensurdecedora, há quase um ano. Desde então, nada acontecia. Aparentemente. Por dentro, sentia que morria lentamente, toda vez que olhava para aquela cama esperando um movimento qualquer. Naquela noite, os olhos se abriram três vezes. Seu sorriso eufórico foi interrompido por um estrondo, vindo da rua. Um acidente, improvável, mas agora consumado. Médicos foram chamados. “Ele piscou. Sim, por favor, venham logo. Ele piscou três vezes!” Voltou-se para a janela. Motoristas discutiam na rua molhada o culpado pela colisão. Não pareciam feridos. Sentiu-se bem. As luzes da madrugada então ficaram mais fracas em seus olhos brilhantes. A vida era boa, afinal.